Ele ouvia de Raimundo Carreiro, o qual considera um mestre, que escrevia muito visualmente. Antes de se formar, na primeira turma de Cinema de Animação das Faculdades Integradas Barros Melo (AESO), em 2011, Jeorge Pereira estudou literatura por cinco anos com o escritor pernambucano. Para ele, a decisão de fazer cinema surgiu a partir daí: quando escolheu criar narrativas. Baiano, de coração pernambucano, Jeorge trabalhou roteirizando para teatro, produziu um livro de contos, até que se encontrou como contador de histórias para as telonas. Nesta quinta-feira (25), estreou o longa-metragem Organismo, o primeiro da carreira, em dezessete salas de treze capitais do Brasil. No Recife, a obra está sendo exibida no Cinema da Fundação, no Derby, e no Cinema São Luiz, na Boa Vista, onde, na ocasião do lançamento, aconteceu debate entre o diretor, a produtora Mariana Jacob, da Inquieta Cine, e o público.
A princípio, o filme está em cartaz pelo circuito do Itaú. O Instituto Moreira Salles também demonstrou a intenção de circular, o que deve acontecer pelas próximas semanas. “Queremos fazer com que ele chegue até as pessoas”, afirma o criador.
Diretores consagrados como Kleber Mendonça e Pedro Severien, que já assistiram Organismo, fizeram elogios. Segundo eles, a obra fala sobre muita coisa e Jeorge conseguiu trabalhar diversos mundos dentro do personagem principal. Em cena, está a história de Diego (Rômulo Braga), um jovem tetraplégico de classe média, que se vê diante de uma jornada de autoconhecimento e aceitação. Sozinho em casa, após a morte fulminante da mãe, ele tem a difícil missão de sobreviver vários dias até que alguém o socorra. Diego busca no passado forças para enfrentar este momento de dor e solidão. “É um personagem complexo: há horas em que você vai amá-lo e horas em que vai odiá-lo. Mas, indiferente a ele, você não vai ficar”, declara Jeorge.
A ideia de fazer o filme surgiu quando o diretor, que é cadeirante desde o primeiro ano de vida - quando contraiu poliomielite-, foi convidado para prestar um serviço para a ONG Rodas de Liberdade, fundada pelo suíço-brasileiro, Michel Penever. Durante alguns anos, Jeorge distribuiu cadeiras de rodas para pessoas que haviam acabado de sofrer acidentes e estavam paraplégicos ou tetraplégicos. “Eu cresci dentro da perspectiva de pessoa com deficiência. Para mim, nunca foi um impacto. Essas pessoas, ao contrário, tinham um modelo de vida e sofreram uma ruptura. Era chocante para elas estar nessa condição. Eu ouvia declarações do tipo “minha vida acabou” e ficava inconformado. Até que consegui entender que, de fato, um modelo de vida tinha acabado para essas pessoas e elas estavam descobrindo outro, se reinventado”, conta.
Esse é basicamente o processo do filme, segundo ele. Na primeira metade da narrativa, o personagem Diego é construído socialmente como qualquer outra pessoa, com os conceitos, preconceitos e vícios. A partir da segunda metade, após um acidente, ele passa por um processo de desconstrução e reconstrução de personalidade, e olhares sobre a vida e si mesmo. “É um filme que trata sobre resiliência, mas de outro ponto de vista, mais duro e realista. O gatilho do filme veio de uma história real, contada por Michel. Eu dramatizei um pouco mais para caber nas telonas”, explica.
Inicialmente, Organismo foi aprovado como curta-metragem pelo Funcultura Audiovisual. Mas, em reunião com a equipe da Inquieta Cine, distribuidora do filme, Jeorge percebeu que o projeto viraria um longa. “Organismo é meu debutar no cinema em todos os aspectos. Antes dele, eu só havia feito um curta-metragem como exercício na cadeira do professor Pedro Severien, na AESO-Barros Melo, mas nunca lancei em lugar algum”, conta.
Na faculdade, por sinal, foi onde começou a relação de Jeorge com o mercado audiovisual. “A AESO-Barros Melo é um divisor de águas na minha trajetória com o cinema”, declara. Após a formação, o cineasta começou a trabalhar em um projeto do ex-professor da FIBAM, Maurício Nunes. Hoje, participa de um grupo de narrativas com grandes feras, como Henrique Spencer, André Pinto, e outros, onde desenvolve projetos baseados em histórias de ficções científicas de terror, que são uma paixão para ele. Jeorge está voltado para o viés criativo. Tem trabalhado como roteirista em parceria com alguns amigos e projetos pessoais.
O diretor também tem pesquisado e estudado bastante para tentar mestrado. “Eu sempre recomendo às pessoas que não negligenciem as faculdades. Eu tenho uma relação de muito afeito com a minha. Foi na AESO-Barros Melo que fiz os melhores amigos, que me acompanham até hoje na carreira. Um dos meus diretores de Fotografia é Marcelo Loureiro, que foi meu professor na graduação. Pedro Severien, também da época do curso, é um grande confessor do meu trabalho. Aí vivi os momentos mais incríveis de descoberta, não só sobre a linguagem, mas sobre comunicação, sobre a vida. Tenho uma gratidão particular à Dra. Ivânia, pessoa generosíssima, que me recebeu de braços abertos”, recorda.
Já de olho no futuro, Jeorge garante que o próximo trabalho será completamente diferente desse primeiro. Ele adianta que trata-se de uma história de época, que se passa em 1968. “O filme começa no dia em que é declarado o Ato Institucional 5. O personagem é um garoto cego, que está em busca dos pais. É uma história que mistura drama e fantasia. Costumo chamar de uma fábula sobre ‘enxergar a vida’. Podem esperar, porque eu ainda pretendo surpreender muito. Minhas histórias não vão ser sempre as mesmas”, declara.