Formado na AESO-Barros Melo, o cineasta teve paralisia infantil no primeiro ano de vida
Ele ouvia de Raimundo Carreiro, o qual considera um mestre, que escrevia muito, visualmente. Antes de se formar, na primeira turma de Cinema de Animação das Faculdades Integradas Barros Melo (AESO), em 2011, Jeorge Pereira estudou literatura, por cinco anos, com o escritor pernambucano. Para ele, a decisão de fazer cinema surgiu a partir daí: quando escolheu criar narrativas. Baiano, de coração pernambucano, Jeorge trabalhou roteirizando para teatro, produziu um livro de contos, até que se encontrou como contador de histórias para as telonas. Em abril deste ano, estreou o longa-metragem
Organismo, o primeiro da carreira, em dezessete salas de treze capitais do Brasil. O filme rodou o país pelo circuito do Itaú. Neste dia 05 de novembro, uma das datas que comemora o Dia Nacional do Cinema, o cineasta falou sobre os desafios de produzir cinema na condição de cadeirante para o Bom Dia Pernambuco, da TV Globo. A reportagem também abordou aspectos sobre a sétima arte e acessibilidade. Assista
aqui.
O longa Organismo também entrou em pauta. “É um filme que trata sobre resiliência, mas de outro ponto de vista, mais duro e realista. O gatilho veio de uma história real”, diz Jeorge. A narrativa é sobre Diego (Rômulo Braga), um jovem tetraplégico de classe média, que se vê diante de uma jornada de autoconhecimento e aceitação. Sozinho em casa, após a morte fulminante da mãe, ele tem a difícil missão de sobreviver vários dias até que alguém o socorra. Diego passa por um processo de desconstrução e reconstrução de personalidade, e olhares sobre a vida e si mesmo.
Diretores consagrados como Kleber Mendonça e Pedro Severien, que assistiram ao filme de Jeorge, fizeram elogios. Segundo eles, a obra fala sobre muita coisa e o autor conseguiu trabalhar diversos mundos dentro do personagem principal. Cadeirante como o personagem, o diretor “chegou ao roteiro” quando ele prestava serviço para a ONG Rodas de Liberdade, fundada pelo suíço-brasileiro, Michel Penever. Durante alguns anos, ele distribuiu cadeiras de rodas para pessoas que haviam acabado de sofrer acidentes e estavam paraplégicos ou tetraplégicos. “Meu trabalho era acompanhar essas pessoas neste novo modelo de vida. Então, acabei conhecendo vários jovens, geralmente homens, e essas experiências foram se somando à minha. Apesar de sermos todos cadeirantes, são casos distintos. Essas pessoas, ao contrário de mim, que cresci dentro da perspectiva de pessoa com deficiência, tinham um modelo de vida e sofreram uma ruptura. Era chocante para elas estar nessa condição. Eu ouvia declarações do tipo “minha vida acabou” e isso me impactou”, relata.
O cineasta contraiu poliomielite quando tinha um ano de idade e aprendeu a ver o mundo de baixo para cima. “Quando eu era criança, eu gostava de me arrastar pelo chão. A cadeira entrou na minha vida depois, por volta dos onze anos. Quando eu imagino cenas, na vida ou trabalho, é sempre de uma perspectiva gigantesca, como se as pessoas fossem arranha-céus”, descreve. O modo de Jeorge fazer cinema tem muito dessa vivência. A experiência influencia em decisões como o local de colocar a câmera e a visão de um horizonte diferente.
Mas, um traço fundamental de personalidade do profissional contribuiu para que ele quebrasse barreias: sonhar. “É o sonho que move a energia interior e nos faz vencer os obstáculos da vida e realizar as coisas. A gente precisa acreditar e alimentar nosso lado lúdico”, afirma. O diretor ainda tem outro ponto positivo a favor, que é a capacidade de enfrentar a realidade, sem deixar de alimentar a imaginação. “Minha mãe sempre me estimulou muito nesse sentido. Meu desejo na infância era ser astronauta e jogador de futebol, as duas coisas ao mesmo tempo. Mesmo sabendo que era diferente das outras pessoas, eu nunca fui de limitar minha imaginação e meus sonhos à minha condição”, garante.
A luta interna não é um problema para Jeorge. O desafio está em encarar o lado de fora. O cineasta está em busca de fazer o segundo filme, e, para ele, seguir essa carreira no Brasil é um enfrentamento de barreiras. “Todo aquele que se preste a fazer qualquer atividade no nosso país, sendo uma pessoa com deficiência, de qualquer origem, é alguém que está, realmente, lutando numa vanguarda, porque as condições de tudo são muito precárias. Enfrentei muitos perrengues até chegar nesse momento profissional, que ainda considero embrionário”, conclui.
Jeorge concedeu entrevista para a TV Globo sobre produção e acessibilidade.