Texto do professor Luiz Otávio Pereira para o Dia do Cinema Nacional
*Texto escrito pelo professor Luiz Otávio Pereira
Um jovem italiano a bordo de um navio francês voltava da Europa com equipamento cinematográfico recém-adquirido e decidiu filmar a chegada à Baía da Guanabara. Era dia 19 de junho de 1898. É por conta desse evento que a data ganhou o título de Dia do Cinema Brasileiro.Toda trajetória precisa de um marco inicial. E esse foi escolhido como o momento fundador do cinema em terras brasileiras, embora alguns historiadores considerem que as primeiras imagens em movimento foram registradas no ano anterior em Petrópolis. O fato é que tais registros se perderam no tempo, o que pode ser mais importante para entendermos o Cinema Brasileiro.
O texto Pequeno Cinema Antigo, de Paulo Emílio Sales Gomes, abre com uma frase que poderia ser uma epítome: “O Brasil se interessa pouco pelo próprio passado”. No texto citado, o historiador e crítico cinematográfico, traça a trajetória das primeiras cinco décadas de cinema no Brasil. Uma história repleta de percalços e interrupções. Foram quatro anos (1908-1911) com uma profusão de títulos produzidos, especialmente no Rio de Janeiro, então capital da república, seguidos de mais de uma década sem uma produção significativa, marcada pela transição de um cinema mais artesanal para um modelo industrial que já dominava Europa e Estados Unidos. Em meados da década de 1920, temos os Ciclos Regionais, dentre eles o Ciclo do Recife, momento marcado pelo surgimento do que Paulo Emílio chama de “consciência cinematográfica nacional”, caracterizada pela descentralização da produção por diversos estados.
“Em torno de 1930, nasceram os clássicos do cinema
mudo brasileiro e houve uma incursão válida na
vanguarda mais ou menos hermética. Era tarde, porém.
Quando o nosso cinema mudo alcança essa relativa
plenitude, o filme falado já é vitorioso em toda parte”.
Paulo Emílio Sales Gomes
E mais uma vez o cinema feito no Brasil precisa de alguns anos para voltar a produzir de forma contínua e relevante. Durante os anos 1930 e 1940, devido às questões tecnológicas trazidas pelo som, a produção se concentra novamente no Rio de Janeiro. As chanchadas musicais se tornam um gênero popular. O grande apelo junto ao público tem como consequência sua absorção pela TV, que começa a ser implantada no Brasil na década de 1950. Mesma década em que assiste ao fracasso da tentativa de implantação de uma indústria cinematográfica brasileira.
A partir da década de 1960, temos um longo período em que o cinema brasileiro prolífico e ganha a relevância cultural que sempre buscou ter. Mas é também um momento histórico marcado por diversos entraves, uma ditadura e sua perseguição política, o “milagre brasileiro” seguido por uma crise econômica, instabilidades políticas e sociais. Apesar desse contexto, diversos marcos do cinema nacional são desse período, como Cinema Novo e o Cinema Marginal. Também é a fase em que o financiamento era feito por um órgão estatal, Embrafilme. Modelo que se manteve até o início dos anos 1990, quando a Embrafilme é extinta, desmantelando toda a cadeia produtiva do cinema.
Ao longo dos anos 1990 o Brasil seguiu produzindo seus filmes a partir dos incipientes recursos de renúncia fiscal. Seguido de uma reestruturação que garante uma
descentralização de recursos a partir de meados da década de 2000. É com esse modelo que o país consegue manter uma diversidade de produções, e faz surgir grandes êxitos de público e reconhecimento internacional em muitas décadas. É essa mesma estrutura que vemos ser paulatinamente desmontada ao longo dos últimos anos de crises políticas e institucionais no país.
Diante do exposto, alguém pode perguntar o que há para comemorar neste 19 de junho 2021. Tomando o verbo comemorar no sentido de trazer à lembrança de forma coletiva, os percalços relatados precisam ser sempre registrados, para que possamos entender como surge e se desenvolve o Cinema Brasileiro. Aprender com experiências e traumas do passado permitirá que avancemos historicamente. Além disso, apesar de todas as dificuldades que definem sua trajetória, contra todas as chances, existe um cinema para chamarmos de brasileiro. Fruto de muita dedicação e luta, não só de seus profissionais, mas da sociedade como um todo.
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Por fim, faço outra alusão a Paulo Emílio. Em seu célebre texto "Cinema: Uma trajetória no subdesenvolvimento" ele faz a seguinte afirmação: “O filme brasileiro participa do mecanismo e o altera através da nossa incompetência criativa em copiar”. O curioso uso do substantivo “incompetência”, tido como algo negativo, acompanhado do adjetivo “criativa”, confere ao cinema brasileiro algo muito assertivo. Da frase podemos interpretar uma certa teimosia. Apesar de tudo, existe um cinema brasileiro obstinado e teimoso.
Cinema e Audiovisual -
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